Em 1976, em Paris, Steven Spurrier, um inglês
proprietário de uma loja e de um curso de vinhos na Cidade-Luz (Caves de la
Madeleine e Académie du Vin) e hoje um respeitado colaborador da
revista inglesa Decanter, promoveu, para celebrar o bicentenário da
independência norte-americana, uma degustação de vinhos franceses e
californianos.
A degustação, às
cegas, foi dividida em dois painéis. O
primeiro com vinhos da uva Chardonnay e outro de vinhos com predominância da cepa Cabernet
Sauvignon no corte. Os jurados eram, em sua esmagadora maioria, todos
figuras importantes e respeitadas do mundo do vinho francês, como, dentre
outros, Odette Kahn, editora da Revue du vin de France; Christian Vanneque, sommelier do La Tour d'Argent, Aubert de Villaine, do
Domaine de la Romanée-Conti.
Em ambos os
painéis, vinhos californianos se sagraram campeões (respectivamente, nos
primeiros lugares de cada painel, Chateau
Montelena Chardonnay 1973 e Stags Leap
Wine Cellars 1973), surpreendendo e apresentando ao mundo a produção da Califórnia.
Muitas repetições
da histórica degustação de Paris ocorreram nos anos seguintes, sempre com os
vinhos californianos em primeiro lugar, embora não necessariamente com os mesmos vinhos em primeiro lugar no evento original.
Especialistas
franceses advogaram a tese de que os vinhos californianos eram mais adequados
para serem bebidos jovens, enquanto que os franceses necessitavam de mais tempo
em garrafa para amadurecer, tese que não vingou por conta das inúmeras
repetições da degustação de 1976 com resultados similares.
Curiosamente, no
entanto, pouco se falou das notas individuais dos jurados da degustação de
1976, que, em sua maioria, colocavam vinhos franceses nas primeiras posições,
ganhando, pelo menos no caso específico dos tintos, o vinho californiano por
conta da média das notas.

Em 1979, em Paris,
em uma competição anual conhecida como “Olimpíadas do Vinho”, um vinho Pinot Noir (David Lett), do Willamette Valley, no Oregon, ficou em terceiro lugar no
painel de vinhos elaborados com a referida cepa.
No ano seguinte, em
um evento organizado por Robert Drouhin,
também na França, um vinho da vinícola Eyrie
elaborado com a Pinot Noir, e também
do Oregon, ficou em segundo lugar.
Todos esses eventos
apresentaram ao mundo novas fronteiras do vinho, com a Califórnia em destaque,
seguida do Oregon, havendo ainda muitas
outras regiões a descobrir, e com potencial para produzir vinhos capazes de
rivalizar com os grandes vinhos europeus.
No entanto, e ao
contrário do que muitos podem imaginar, os produtores franceses não se
encastelaram, não se fecharam em seu orgulho, e passaram a correr o mundo em
busca de novos terroirs para elaborar vinhos que refletissem, por assim
dizer, a “escola francesa”, iniciando uma espécie de “colonização” do novo
mundo do vinho, com forte enfoque no continente americano.
De início, e a
partir da década de 1980, os franceses se concentraram nos Estados Unidos,
sobretudo na Califórnia.
Na verdade, e esse
é um fato poucas vezes lembrado, os franceses, antes mesmo do “Julgamento de
Paris” em 1976, já haviam “descoberto” o potencial da Califórnia para a
produção de bons vinhos.
Em 1973 a Maison Möet & Chandon fundou em Yountville, no coração do vale de Napa, a Domaine Chandon, após cinco anos de buscas por vinhedos na
Califórnia.
Posteriormente, já
no final da década de 1970 e início da década de 1980, importantes produtores
franceses iniciaram operações na Califórnia. Todos preocupados com a alta
demanda de vinhos espumantes no mundo e a impossibilidade de crescimento da
região de Champagne.

Seguindo os passos
da Möet & Chandon e da Louis Roederer, outros produtores de Champagne fundaram vinícolas na
Califórnia, como a Mumm Califórnia, a
Domaine Carneros (Taittinger).

A Dominus Estate,
em Napa Valley, um projeto de Christian Moueix, herdeiro dos
célebres Chateaux Pétrus, La
Fleur-Pétrus, Trotanoy (Pomerol) e Magdelaine (Saint
Emilion), é um dos projetos pioneiros dos franceses na Califórnia e datado
de 1981. A Dominus nasceu da paixão
de seu proprietário pelos vinhos californianos, paixão esta iniciada no final
de década de 1960 quando esteve por um tempo na Califórnia para estudar.
Outro exemplo de
pioneirismo francês é a vinícola Tablas
Creek, em Paso Robles. Trata-se de uma joint-venture iniciada na segunda metade
da década de 1980 entre a Família Perrin (do Château de Beaucastel) e o suíço Robert Haas. Juntos apostaram na então ainda desconhecida região de
Paso Robles. Para relembrar nosso post sobre nossa visita a Paso Robles e à Tablas Creek clique aqui.

Uma outra face
desse movimento foi o estabelecimento de parcerias entre produtores franceses e
vinícolas locais (os italianos seguiram esse modelo posteriormente,
capitaneados pela família Antinori,
como, por exemplo., no projeto da vinícola Col Solare, em Red Mountain, no Columbia
Valley, Washington).
Uma das primeiras e
mais importantes dessas parcerias ocorreu ainda no final da década de 1970, e
se deu entre o produtor californiano Robert Mondavi e o Château
Mouton Rothschild. O projeto se firmou nos anos seguintes originando a
vinícola Opus One, em Napa Valley,
que produz um vinho homônimo de altíssima qualidade, e moldado em seu respeitado
primo francês o Château Mouton Rothschild.
Outra recente
parceria ocorreu entre Aubert de Villaine
(Domaine de la Romanée-Conti) e Larry Hyde, da Hyde Vineyards, em Carneros,
produzindo um vinho com a Chardonnay e
um outro vinhocom corte de Merlot e Cabernet Sauvignon. O projeto se chama HdV.

Mais recentemente,
em 2013, o négociant borgonhês Louis Jadot comprou vinhedos na
sub-apelação de Yamhill-Carlton, localizada
no Willamette Valley, no Oregon, com o intuito de produzir seus
primeiros vinhos já na safra daquele mesmo ano. Para tal missão, a Maison Louis Jadot designou como enólogo
Jacques Lardière, que foi diretor
técnico da vinícola francesa por 42 anos e havia se aposentado em 2012.
Além dos projetos
próprios ou em parcerias com vinícolas locais, a influência francesa se fez
sentir também pelo trabalho de enólogos franceses, alguns como consultores (por exemplo, o famoso e controvertido Michel Rolland), outros como enólogos
residentes, como Geneviève Janssens,
na Robert Mondavi Winery.
E esse movimento
não se limitou apenas à Costa Oeste norte-americana com outros produtores
franceses buscando novos terroirs em outras partes do chamado continente
americano, como veremos em posts futuros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário