Visitar
uma vinícola é um dos grandes prazeres de um apreciador de vinhos. O motivo não
é apenas ver onde os vinhos são elaborados, aprender o método de vinificação ou
degustar rótulos de edição limitada ou de safras diversas das correntes no
mercado. O grande motivo de visitar uma vinícola é, sim, poder ser transportado
de volta ao local e relembrar momentos especiais ao degustar um vinho em casa
ou em outro lugar, ou seja, é criar um sentimento específico de nostalgia.
Degustando
ontem um M. Chapoutier Châteauneuf-du-Pape La Bernardine 2015 surgiu esse sentimento de nostalgia, e,
automaticamente, me vi transportado para uma incrível visita à Maison M.
Chapoutier em setembro de 2019.
A
Maison M. Chapoutier tem sua sede em Tain-l’Hermitage, elaborando
vinhos de vinhedos próprios e atuando como négociant.
A
história da Maison M. Chapoutier remonta ao ano de 1879 quando a família
adquiriu seu primeiro vinhedo.
No
final da década de 1970 os irmãos Michel e Marc Chapoutier assumem o
negócio e começa a grande revolução da vinícola. Na década de 1980, sob o
comando de Michel Chapoutier, os vinhos da vinícola passam a atrair a
atenção dos críticos internacionais, ganhando reputação.
Em
1989 Michel Chapoutier cria uma linha de vinhos de seleções específicas
dentro de vinhedos em diversas apelações, as Sélections Parcellaires,
com o escopo de melhor expressar as nuances dos diversos terroirs do Rhône.
No
ano seguinte, Michel Chapoutier passa a colocar em prática o cultivo
biodinâmico de seus vinhedos, convertendo-os um a um. Hoje todos os seus vinhos
são biodinâmicos.
Uma
das características do estilo de Michel Chapoutier é a preferência por
vinhos do Rhône setentrional monovarietais. Assim, seus brancos de Crozes-Hermitage,
Hermitage, Saint -Joseph e Saint-Peráy são sempre com Marsanne
sem corte com a Roussanne. Seus tintos das apelações Crozes-Hermitage,
Hermitage, Saint -Joseph e Côte-Rôtie são sempre 100% Syrah,
sem adição de uvas brancas permitidas.
Nos
seus vinhos tintos Châteauneuf-du-Pape, o foco é sempre a Grenache, embora
acabe cortando com pequenas quantidades de outras uvas tintas permitidas na
apelação.
Atualmente,
Chapoutier produz vinhos em praticamente todas as apelações do norte e
do sul do Rhône, além de vinhos de algumas apelações no Roussillon.
Os
vinhos do Rhône da Maison Chapoutier dividem-se em diversas
linhas, sempre marcados pela alta qualidade dentro de sua respectiva faixa de
preço, com destaque para os vinhos das linhas Fac&Spera (de seleções
de vinhedos específicos, os chamados Sélection Parcellaire), Excellence
e Prestige.
A
Maison Chapoutier produz ainda vinhos, em colaboração ou em projetos
solos, na Alsácia e na Alemanha, um de seus novos projetos, e em Portugal,
Espanha e Austrália, mostrando o espírito irrequieto e explorador de Michel
Chapoutier.
Um
dos destaques da Maison Chapoutier é o uso do braile em todos os seus
rótulos, tendo sido a primeira vinícola a adotar tal prática. Michel
Chapoutier teve a ideia de adotar o braile em seus rótulos ainda na década
de 1990, após ouvir de um amigo cego, o cantor Gilbert Montagné, que
este precisava sempre de um acompanhante para poder escolher uma garrafa de
vinho em uma loja. As informações em braile nos rótulos incluem o produtor, a
safra, o vinhedo, a região e a cor do vinho.
Uma
outra curiosidade sobre Michel Chapoutier reside no seu amor pelas
artes, em especial dos aborígenes australianos. Nas paredes da sede da Maison
Chapoutier tivemos a oportunidade de ver algumas dessas pinturas, com
indicações do artista, etnia e demais detalhes, tornando ainda mais agradável a
visita à vinícola.
Em
nossa visita, após passear pelo vinhedo de Hermitage com nosso anfitrião
Thibaut Tracol, tivemos o prazer de degustar uma inesquecível e especial
sequência de vinhos da Maison Chapoutier, representativos de diversos terroirs
do Rhône setentrional e um Châteauneuf-du-Pape tinto e um
branco das Côtes du Roussillon:
A) M. Chapoutier Domaine de
Bila-Haut Occultum Lapidem Côtes du Roussillon Blanc 2017 (Grenache
Blanc, Vermentino): um corte de 70% Grenache Blanc e 30% Vermentino,
também localmente conhecida como Rolle, o vinho apresentou, no nariz,
frutas de caroço (damasco, pêssego) e um leve toque floral, com conjunto bem
integrado;
B)
M. Chapoutier Lieu-dit Hongrie Saint-Péray 2017
(Marsanne): a AOP Saint-Péray é um dos Crus do norte do Rhône
subestimada, eclipsada pelos brancos dos Crus vizinhos. Esse espetacular
vinho de parcela única demonstra que isso pode ser um erro, apresentando
complexidade no nariz, com notas ligeiramente torradas de brioche, aromas de
pêssego branco, erva-doce e anis, com um longo final em boca.
C)
M. Chapoutier Invitare Condrieu 2017 (Viognier): para
aqueles que adoram Condrieu, esse vinho tem toda a tipicidade que se
espera da AOP, com aromas de abacaxi, flor de acácia, lichia, damasco e pêssego
branco, com um final longo em boca com notas de baunilha;
D)
M. Chapoutier Chante-Alouette Hermitage Blanc 2017
(Marsanne): Um Hermitage blanc elaborado 100% com a Marsanne e
extremamente elegante e complexo, com notas de mel, marmelo, gengibre, flor de
acácia, com um longo final em boca com notas de amêndoas. Um dos nossos
preferidos;
E)
M. Chapoutier Les Meysonniers Crozes-Hermitage 2017
(Syrah): elaborado a partir de vinhas com no mínimo 25 anos, apresenta boa
tipicidade, com o típico aroma de violetas. Um dos grandes custos-benefícios;
F)
M. Chapoutier Les Arènes Cornas 2016 (Syrah): para fãs
de vinhos da AOP Cornas (como eu), um vinho opulento e elegante, apresentando
em boca amoras, especiarias, cereja, com taninos densos e firmes com grande
persistência;
G)
M. Chapoutier Pie VI Châteauneuf-du-Pape 2016 (Grenache,
Syrah): um assemblage de 65% Grenache e 35% Syrah,
um dos Châteauneuf-du-Pape mais emblemáticos da Maison, com
taninos macios, apresentando grande equilíbrio, concentração e complexidade,
com destaque para um final longo com toques de especiarias e chocolate amargo;
H)
M. Chapoutier Monier de la Sizeranne Hermitage 2014
(Syrah): Um blend de vinhedos específicos de Hermitage (Les
Bessards, com solos graníticos; Le Méal, com antigos terraços
aluviais, com muitos cascalhos e calcário; e Les Greffieux com solo
siltoso com telhas), apresentando aromas de amoras e groselhas pretas e um leve
toque de alcaçuz. Na boca, se mostra concentrado com taninos macios e um leve
toque apimentado.
Todos excelentes
vinhos, diversos entre si, e que exprimem seus respectivos terroirs.
Porém, o grande desafio
foi escolher o que comprar na loja da Maison Chapoutier, com diversos
outros rótulos, inclusive de outros países em que Michel Chapoutier
elabora vinhos.
Santé!
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